É fato: os primeiros cristãos marcaram a história da humanidade. Em Pentecostes, inaugurou-se uma nova forma de se viver, surpreendente para os padrões da época. Com que palavras bonitas foram descritos aqueles homens e mulheres da primeira hora do cristianismo:
“Eles estão na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm suacidadania no céu; [...] amam a todos e são perseguidos por todos; [...] são mortos e, desse modo, lhes é dada a vida; são pobres, e enriquecem a muitos; carecem de tudo, e têm abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são injuriados, e bendizem; são maltratados, e honram; fazem o bem, e são punidos como malfeitores; são condenados, e se alegram como se recebessem a vida”(carta a Diogneto, n. 5). 1
Sim, nas origens, aqueles que eram “autenticamente” cristãos davam esse tipo de testemunho, tanto que muitos estudiosos, que se dedicam a analisar a vida das primeiras comunidades cristãs, atestam que a mensagem evangélica, a fraternidade vivida nos grupos e o testemunho de santidade, indo até o martírio, levaram muitos a aderirem à nova religião. Era uma novidade de vida que cativava! 2
Na sequência desse texto, o autor diz: “Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim os cristãos estão no mundo”. Os cristãos davam vida ao mundo!
E com quem aprenderam a ser assim? Com o Senhor Jesus, claro! Sim, os cristãos, verdadeiramente fiéis, estavam configurados a Jesus Cristo. Os da primeira geração tiveram a oportunidade de aprender pela convivência com o Mestre. Ouviram os ensinamentos dos lábios do Senhor. Viram como Ele agia. Já os cristãos das gerações seguintes tinham por base a Doutrina propagada pelos apóstolos.
E o que o Senhor ensinou? Instruções realmente desafiadoras a todos que se propõem a segui-Lo verdadeiramente. Vejamos alguns exemplos do que os evangelistas relatam e comparemos com o texto acima. Ele disse:
“Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, bendizei aos que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te houver tirado a capa, não lhe negues também a túnica. Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho reclames. Assim como quereis que os homens vos façam, do mesmo modo lhes fazei vós também. Se amardes aos que vos amam que mérito há nisso? Pois também os pecadores amam aos que os amam. [...] Amai, porém a vossos inimigos, fazei bem e emprestai, sem esperar nada em troca; e grande será a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus” (Lc 6,26-36).
Na sequência, Jesus diz: “Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso”. Ele associa essa grande lista de ações ao próprio agir de Deus, que “faz surgir o seu sol sobre os maus e sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os ímpios” (Mateus 5, 45-48). Nessa passagem de Mateus, Jesus diz com clareza que devemos ser perfeitos, como perfeito é o nosso Pai Celestial.
O Senhor está nos dizendo que devemos ser imitadores da natureza de Deus que é misericordiosa, que é perfeita. O cristianismo trouxe isso ao mundo. Em Jesus conhecemos quem é Deus de um modo que até então não se ouvira falar, e o que Ele quer de nós, seus filhos. Temos parâmetros para vivermos uma vida segundo o coração de Deus. Dos seguidores de Jesus, o que se espera é que busquem viver conforme a vida de Deus. Nada menos do que isso!
A lei do homem novo
“Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei”, eis o novo e revolucionário mandamento trazido por Jesus Cristo.
Jesus, o Filho, não apenas foi testemunha do amor de Deus para com os homens. Ele disse qual deveria ser a meta de nossas vidas. São Paulo também nos exorta nesse sentido, ao nos ensinar que devemos ter os mesmos sentimentos que estavam em Jesus Cristo (cf. Fl 2,5).
Aos efésios também fez semelhante recomendação: “Sejais, pois, imitadores de Deus, como filhos queridos, e vivei no amor, como também Cristo vos amou e por nós sacrificou-se a sim mesmo a Deus” (Ef 5,1).
“É um convite a caminhar no mesmo mundo que Cristo amou, com caridade, com a mesma disponibilidade de Jesus para doar-se a si mesmo, oferecendo-se em sacrifício a Deus”.3
É o amor que não se limita a discursos, belas palavras: “[...] esta imitação de Deus, esta identificação com Cristo, com o consequente amor recíproco, não são sentimentos cultivados no recesso do coração, mas em ação concreta”.4
E este amor profundo pelas almas “estimula o sentido do mútuo perdão, a solicitude pelos pobres, a efetiva caridade diante de qualquer necessidade”, ou seja, de todos aqueles que de nós precisarem por qualquer razão que seja. 5
Não há espaço para que reproduzamos aqui tudo o que o Novo Testamento nos ensina a esse respeito. Mas qualquer um que leia com abertura de coração o que os apóstolos deixaram registrado a respeito dos ensinamentos do Senhor terá de admitir que de nós é exigido muito. A nossa própria salvação está vinculada à obediência à Palavra de Jesus. Será com base Nela que seremos julgados. Teremos amado o suficiente? Agido como verdadeiros imitadores de Deus, de modo que ouçamos as maravilhosas palavras de Jesus: “Vinde benditos do meu Pai”? Para qual lado seremos mandados? Para a direita ou para a esquerda? (cf. Mt 25,31-40). Eis algo muito sério!
É desafiador viver como Ele ensinou? Claro que sim! Podemos até dizer que é bastante difícil. Mas quando Jesus prometeu que seria fácil? Ele mesmo disse que a porta que nos conduz ao Céu é estreita. Aliás, Ele também disse que para o homem é impossível salvar a si mesmo. Mas a Deus não! É por isso que não podemos desanimar. Não estamos sozinhos. É o Santo Espírito que nos dá condições ao seguimento de Jesus. O mesmo Espírito que esteve sobre Pedro, Paulo, João, Tiago... Que fez destes homens testemunhas, que os impulsionou. É o mesmo Espírito que recebemos em nosso Batismo e que experimentamos de forma inesquecível por meio do Batismo no Espírito Santo.
Agora é a nossa vez: viver com Ele viveu!
Diante de tudo isso que temos refletido, desde o texto anterior do Rogério Soares, nesta edição, podemos parar e pensar um pouco sobre a nossa vida.
Já vimos que há muitos registros históricos sobre os primeiros cristãos que revelam que eles eram seguidores de Jesus verdadeiramente. Mas o fato é que Pedro, João, Tiago - e tantos outros anônimos - estão na glória, e que hoje é a nós que cabe a tarefa que um dia, no passado, foi deles: difundir os ensinamentos de Jesus.
Mas... E se alguém observar e retratar o nosso estilo de vida, como irá nos descrever? Que imagem passamos aos que nos conhecem, convivem conosco?
Como nós, cristãos deste começo do terceiro milênio, seremos retratados na história? Que marcas deixaremos? Estamos sendo a alma do mundo?
Aquela voz que ecoou nas montanhas e planícies da Palestina há dois mil anos continua a falar ao coração de seus seguidores? Pauta seus comportamentos? Nossos pensamentos, sentimentos, ações são parecidos com os de Jesus Cristo?
Em quem nos espelhamos? Qual o papel dos Evangelhos em nossa vida? Eles guiam nosso agir? O que Jesus ensinou, nós buscamos fazer? Temos nos esforçado para isso?
É necessário que façamos essa autoavaliação com total realismo, porque temos o compromisso de dar testemunho de vida. Assim como foi no passado, esse é um dos eficazes meios de evangelização (EvangelliNuntiandi, n. 41). Pregar, mas não viver conforme o que se fala é ser falso profeta, nos ensina a Didaqué.6
Só seremos “rosto e memória de Pentecostes” se mostrarmos ao mundo a face do cristianismo autêntico. Somente se vivermos conforme os ensinamentos de Jesus, poderemos reimplantar uma cultura que já esteve fortemente presente na humanidade: a “Cultura de Pentecostes”.
De acordo com autor da Carta a Diogneto, os cristãos daquela época era típicos cidadãos desta terra, porém viviam com a plena consciência de pertencerem ao céu. Entendiam-se como peregrinos. Tinham a fé alicerçada na certeza da ressurreição.
E nós? Temos vivido bem nossa vida aqui, porém conscientes de que estamos em peregrinação? Que nosso destino é a Jerusalém Celeste? Temos levado as pessoas a desejarem o céu? A sonhar com a ressurreição? A almejar ver o Senhor face a face? Sobre isso há muito que se pensar. Assunto para a próxima edição. Até lá!
Lúcia Volcan Zolin
Coordenadora Nacional da Comissão e Ministério de Comunciação
1 - PADRES APOLOGISTAS. Carta a Diogneto. São Paulo: Paulo, 1995, p. 22-23.
2-Cf. HAMMAM. A. G. A vida cotidiana dos primeiros cristãos (95-197),
3 - Giussani, Luigi. Em busca do rosto do homem. Sel Editora, pg. 69.
4 - Idem
5 - Idem
6 - Documento considerado como sendo das primeiras comunidadescristãs, também conhecido como “Instrução dos Apóstolos”.
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